sexta-feira, 10 de julho de 2009

Foram-se os dentes de leite

por Ana Jorge

"Assim como quatro, passam doze anos."


Algumas vezes me pego pensando no tempo. As reflexões que faço, são semelhantes a uma grande tela, onde encontro o ser humano pequeno diante da grandeza do mundo. Sua grandeza infinita parece não caber ali. E nossa existência encontra-se presente estrategicamente.


Você e Eu.


Miúdos, porém, visíveis.


E nos tornamos mais nítidos, a medida em que seguimos mais vivos.


Esquecemos a tela.


Pego um livro de literatura infantil, e juntos entraremos num conto de fantasias, sonhos, pensamentos, atitudes e verdades.


É a minha estória.


Me sinto orgulhosa e importante. Na escola as tias me adoram. Lance de super proteção, atenção, carinho, respeito e mesmo sendo criança acho isso muito importante. Vou guardar essas doces lembranças numa caixa bem grande dentro do meu coração, como um embrulho pra presente bem bonito, pra nunca mais me esquecer.


Um monte de gente fala que eu sou sapeca. Só porque fico brincando na rua descalça, sem blusa e sainha curta. Com certeza sei o que é ser bem criança.


Ontem na escola foi super legal. O Paulo Cesar do Jardim da Tia Naná, me deu um beijo na boca atrás do escorregador. Contei pra minha irmã Cristina e sabe o que ela falou?


_ Mãe, essa menina é precoce!


Sei lá o que é precoce, só sei que na escola é legal.


Atrás do tanque de areia são realizadas as corridas em dupla. Como existe criança sem graça! A Patricia nunca corre com o Renato só porque ele é feio. Eu não quero nem saber, corro com ele mesmo, coitado! Ah, nesse dia levei Dan top de lanche, mas tive que comer escondida na cozinha. Também se não trago alguma coisa diferente, é sempre pão com maionese. Problemas de cardápio escolar, que crianças, lógico, não podem interferir.


No feriado passado fizemos uma excursão com a escola. Logo na primeira noite fiz um xixizão na cama, e bem na calça nova de lã azul marinho que a minha mãe comprou na Rua José Paulino.


Sou criança, mas penso sério. E acho que os adultos desconhecem essa verdade. E mais, não sabem tudo o que percebo e sinto. Vou falar bem rápido, respirar fundo, pra não me dar vontade de chorar.


Alguns adultos tratam a gente com indiferença. Percebo pela expressão nos seus olhos, quando interrompem uma conversa "importante" pra nos dar um pouco de atenção.


Não pensem vocês que fico muito triste por conta disso. Eu brinco, dou risada e sou uma criança muito feliz! Mas as minhas duas irmãs mais velhas fizeram uma coisa ontem que eu não gostei. Estava sentada na privada do banheiro, quando comecei a ouvir uma baita gritaria. E em seguida aparece correndo a Lia Mara com o dedo cheio de sangue porque a Célia tinha arrancado um pedaço com a unha.


Nossa, era um sangue tão cor de vinho...


Agora já tenho seis anos e estou namorando o Alexandre de verdade. Nossos pais sabem de tudo e nada é feito escondido. No dia dos namorados foi muito bacana, ganhei uma correntinha com o Zé Carioca pendurado e minha mãe comprou um revólver de brinquedo pra eu dar de presente. Ele deve ter gostado....


As minhas irmãs são umas pentelhas. Ficam rindo de mim só porque já fiz janelinha.


Por isso e por outras coisas, antes de dormir pedi pro Papai do Céu pra que eu sonhe com uma linda fada. Se ela aparecer nos meus sonhos, vou fazer um pedido: quero acordar adulto de verdade.

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